sexta-feira, 30 de junho de 2017

Concrecoisa Aldravia III


cada
um
vive
no
seu
quadrado

Blizeu mora, desde sempre, numa gruta no sertão baiano.

Certa feita, ao ser entrevistado pelo jornalista Zaiam, conhecido operário das letras da Gazeta Mundão de Deus, afirmou que “o segredo para ser feliz está dentro do quadrado que cada um escolheu ter”.

E completou, numa outra perspectiva, mostrando que "a prisão é o quadrado do infeliz".

A reportagem bombou, fez Zaiam ganhar o Prêmio Esso e deixou Blizeu conhecido nacionalmente.

Tirlina, assinante da Gazeta Mundão de Deus, gostou mais que demais da reportagem sobre o quadrado da felicidade.

Passado um mês, estava ela morando num apartamento em Barcelona.

E o seu quadrado da felicidade foi completado com as pinturas abstratas, todas cubistas, de César Rasec.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Concrecoisa Aldravia II


rascunho
da
vida
engana
destino
final

Liduco viveu no mundo da fantasia ao caminhar na criminalidade.

Ele acreditava que ia se dar bem para o resto da vida.

Dizia para os comparsas que o Brasil espelhava impunidade por meio das instituições.

E mostrava esse entendimento nos noticiários das rádios, dos jornais, das revistas, das emissoras de televisão e dos sites.

Para Liduco, o Brasil sempre foi um rascunho de nação, um país que se afastava cada vez mais da civilização.

Por isso, ele não respeitava ninguém.

Velhos, crianças, mulheres, operários e religiosos foram suas principais vítimas.

Por roubar pobres, era chamado de Papatudo.

Certo dia, encontrou pelo caminho uma bala certeira na cabeça.

Liduco morreu na hora.

No dia seguinte era dado estatístico da violência no Brasil.

E sua vida não passou de um rascunho mal planejado.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Concrecoisa Aldravia I


aniversário...
lembranças
deixadas
nas
velas
apagadas

Essas foram as palavras de Zineltom, que completava 100 anos.

Feliz com o centenário, ele olhava em cada vela uma camada da memória.

O seu sopro era uma espécie de renascimento.

E a luz que acabava de apagar era a certeza do prazer de viver.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Concrecoisa E a colher?


Dorinelson era glutão.

O seu garfo parecia uma pá de escavadeira.

Cada bocada significava um prazer sem fim.

Biritel, amigo de infância, era o cara da faca.

Como o seu pai foi açougueiro em Copecarinhanha, essa habilidade de cortar foi preservada.

Mirtiteia, prima de Biritel, era a mulher da colher.

Ela casou com Dorinelson.

Na noite de núpcias, Mirtiteia disse ao marido que a brincadeira ia começar se ele fosse capaz de tomar um prato de sopa com o seu garfo de aço.

Desesperado, ele só foi entender que existe colher no mundo quando viu a sopa esfriar.

E Mirtiteia já dormia que nem uma criança.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Concrecoisa Cabeça


Cada um sabe o que tem dentro da cabeça.

Será?

Talvez não.

Ninguém sabe o que a cabeça esconde.

Perilza, por exemplo, perdeu a cabeça por causa de um amor secreto.

Medalvina, por sua vez, perdeu a cabaça com o marido cachaceiro.

As duas eram irmãs e tinham, antes dos acontecimentos, a cabeça no lugar.

Perilza viveu a vida toda na roça.

Medalvina foi para a cidade grande depois do casamento com Bazolito.

As duas voltaram a morar juntas, na roça, depois de décadas.

Agora estavam sozinhas.

Nenhuma perdeu a cabeça por causa da estranheza da outra.

E as duas diziam para os vizinhos que a cabeça é a circunstância de cada um.