sexta-feira, 27 de março de 2020

Concrecoisa Sabão de amor


Uma gota de ódio pingou na carne

Fez morada na memória

E acabou virando nódoa

Outras gotas pingaram durante a vida

E mais nódoas ficaram impregnadas

Um dia, um sabão especial apareceu para lavar o ódio

Conseguiu!

Foi o milagre do sabão de amor

sexta-feira, 20 de março de 2020

Concrecoisa Colírio de luz


O cego de razão escorregou numa casca de banana deixada pelo destino.

A queda foi feia.

Os joelhos ralaram no chão de barro.

Um velhinho ajudou-o a se levantar.

E ele foi embora em silêncio.

O tempo passou e o cego de razão escorregou novamente.

Os joelhos voltaram a ralar, agora no asfalto.

Uma bela mulher ajudou-o a se levantar.

E ele foi embora novamente em silêncio.

Vieram outras quedas e as feridas dos joelhos não curavam.

Ele já não tinha mais ninguém para ajudá-lo a se levantar.

Assim tocou a vida sem aprender que para cada queda existe um colírio de luz que não deixa a razão cega.

Foi enterrado sem as rótulas.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Concrecoisa Nem pior nem melhor


A linha curva vivia arquitetando, recriando o mundo.

Seu maior prazer era reproduzir com beleza descomunal as formas femininas.

E a linha reta não ficava atrás.

O seu prazer era conduzir o olhar de todos ao horizonte, onde reinava.

Um dia, a linha reta brincou de ser linha curva.

E vice-versa.

Depois da brincadeira, uma disse para a outra o que sentia.

E recebeu como resposta o mesmo eco sentimental, que dizia:

– O que você é nem me faria ficar melhor nem pior do que sou.

No infinito, os pontos riram sem parar da brincadeira.

E até hoje esse riso é visto em forma de luz, piscando na escuridão da noite.

sexta-feira, 6 de março de 2020

Concrecoisa Desejo


Desejou viver eternamente.

Não conseguiu.

Desejou ficar rico.

Não conseguiu.

Desejou ser famoso.

Não conseguiu.

Desejou conhecer todos os países do mundo.

Não conseguiu.

Desejou ter poder.

Não conseguiu.

Aquela pessoa sempre desejava, antes de dormir.

E acordava sem desejo alguma, até o anoitecer.

O que era já estava ali impregnado na pele, na carne, nos ossos, nos pelos, na cartilagem e nos cabelos.

Morreu sendo o que foi: resto do desejo do destino.

Assim veio à toa.

Assim vai à toa.

Assim é o desejo.