sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Concrecoisa Eclesiastes


As palavras do Eclesiastes ensinam ao longo dos séculos.

Elas dizem muito mais do que se possa imaginar.

A vaidade, por exemplo, é mar que inunda a fraqueza d’alma.

Deixar o mar da vaidade secar é capacidade de poucos, de pouquíssimos.

A vaidade não comporta na vaidade, por ser vaidade.

A vaidade, por outro lado, quer se libertar de si.

Segredos que são ditos sem dizer: interpretações.

O Eclesiastes também fala do tempo de cada coisa.

Esse tempo de cada coisa é senhor de tudo.

Pois existe sempre um tempo para as infinitas circunstâncias.

O segredo, então, é saber esperar esse tempo.

E no agora, o segredo é viver em paz e com total proteção das forças superiores.

Feliz 2017 a todos, especialmente você que curte a concrecoisa!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Concrecoisa Foda-se


Dzion passou da curva dos 33 anos e deixou tudo de lado para tocar a vida sem ficar olhando vis-à-vis os caretas, que eram muitos ao seu redor.

Inquieto, sentia que muitos outros caretas e canalhas estavam chegando, sempre mais, muito mais.

Em liberdade, uma utopia para uns e sonho de realização para outros, Dzion colocou na mochila surrada uma camisa de malha, uma bermuda, escova de dentes, dois livros (Monja Coen - 108 Contos e Parábolas Orientais e Poesia Completa de Manoel de Barros), um caderno em branco e lápis grafite número 2 com apontador amarrado num barbante e rumou sem destino pelas estradas empoeiradas do seu país extenso e desigual.

O desapego era sua maior riqueza. Para Dzion, esse distanciamento das coisas valia mais do que as muitas fortunas dos corruptos brasileiros que estão escondidas em paraísos fiscais no exterior.

Dzion passou a viver feliz. Parte dessa felicidade vinha daquilo que plantou dentro de si: não dar satisfação para ninguém. Ele era aquilo que a circunstância proporcionava, nada mais.

Já velhinho, quando começou a escrever as memórias, Dzion riu por horas quando lembrou que passou a dizer “foda-se” e sem medo de apontar o dedo médio na fuça dos canalhas.

Dzion virou herói dos anarquistas por causa da sua maneira sincera de viver.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Concrecoisa Dinheiro


Cabral descobriu o Brasil.

Cabral descobriu o dinheiro.

Cabral amou o dinheiro do Brasil.

Cabral fez pacto de morte com o dinheiro sujo.

Cabral só pensava no dinheiro, no dinheiro, no dinheiro...

Cabral mamou nas tetas do poder.

Cabral foi preso.

Cabral só pensava em sair da prisão para ficar mais perto do dinheiro da corrupção.

Cabral não é mais um homem sério, respeitado e honesto.

Cabral no seu mamonismo descobriu que a doença do dinheiro amaldiçoa.

No leito de morte, Cabral pediu perdão.

Era tarde demais.

Cabral morreu sozinho e sem descobrir a riqueza das coisas que não precisam de dinheiro.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Concrecoisa Viagem


A imaginação é uma viagem solitária na cabeça de cada um.

É uma jornada que extrai o néctar da existência.

E o que é físico entra em processo de despedaçamento.

Nesse momento, tudo passeia pela campina da imaginação.

E a liberdade sai da órbita da utopia.

Pois tudo pode acontecer.

A água vira ouro.

A borboleta um dinossauro.

O chiclete um esparadrapo.

A bola um cometa.

E a foto real parece irreal.

Como esta que fiz em Madri em viagem de prazer.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Concrecoisa Carinho do Amanhã


O voo solitário da gaivota é pulsão de liberdade entre passado, presente e futuro.

Sendo o homem desejo de liberdade, a gaivota seria uma possibilidade de tradução dessa pulsão, uma pulsão que une pretérito, presente e porvir num único momento.

A gaivota tem o céu como “estrada” do porvir, uma “estrada” onde o porvir é o horizonte infinito.

O homem, por sua vez, tem como “estrada” do porvir a ação na linha de tempo.

Nessa “estrada”, o porvir é o rito de passagem do inalcançável, medida incerta da medida tempo, que está logo ali chamando o presente.

No agora, o ontem dorme nos braços de Morfeu e o porvir desperta a embriaguez de Dionísio.

A gaivota, aqui na concrecoisa, afaga o vento do planar e o homem afaga o futuro que chega em forma de imprevisibilidade.

E assim o tempo gira em si e sem mostrar a face do mistério da vida no porvir.   

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Concrecoisa Já era


O tempo passou rápido.

A adolescência foi ontem.

A infância anteontem.

A maturidade, um suspiro que ainda ecoa ali na esquina.

A velhice, um atchim gélido.

Os amores viraram páginas amareladas de um diário.

A certeza: tinha a consciência de tudo.

Era ela, era ele.

Já era. Ele sem era, ele sem ela.

E o filme passou sem reprise! 

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Concrecoisa Imunidade


Ele era rico, muito rico.

Multiplicou a fortuna agindo junto ao núcleo da corrupção do poder central.

Começou a ser investigado pela Polícia Federal.

Ficou com receio de ser preso.

Entrou para a política e foi eleito deputado federal.

Ganhou imunidade.

Continuou agindo, protegido pelo mandato.

Renovou o mandato por muitos anos.

Morreu bem velhinho.

Na lápide empoeirada, sua frase preferida: “aqui jaz um corpo que viveu nos braços da impunidade”.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Concrecoisa Atroz


Guima adorava brincar com o som das palavras.

Um dia, porém, ecos de “oz” ficaram ecoando nos seus ouvidos.

Achando aquilo estranho, contou para a mãe que uma voz estava azucrinando o juízo.

Zefinha mandou ele rezar, antes de dormir.

Guima rezou, rezou, rezou...

Pela manhã, não levantou.

Zefinha pensou que Guima estava doente.

– Acorda Guima, hoje tem aula. Deixa de preguiça!

– Mãe, a voz continua atroz!

– Você rezou?

– Sim mãe, rezei até às sete da manhã!

– Tá bom. Fique aí quietinho. Continue rezando.

A manhã passou rápido.

A voz foi embora.

E Guima encontrou a paz fazendo versos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Concrecoisa Rastro


Yagotan foi um excelente guerreiro.

Lutou até a morte.

Seu corpo foi levado para o ritual de despedida.

A tribo não chorou.

A morte combatendo o inimigo era o renascimento.

Suas armas foram passadas para Yagotani, seu filho mais velho.

No encerramento da cerimônia de despedida, uma ventania soprou o chão da aldeia.

Todos os rastros foram removidos.

A chuva caiu no dia seguinte.

No chão lambido pelo choro do céu, o rastro de Yagotan reapareceu.

Foi um sinal que a vida não tinha terminado.

O rastro era a vida continuada.

Tempos depois, Yagotani derrotou os inimigos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Concrecoisa Útero


O poeta nasceu num túnel.
O túnel era o seu útero.
E o útero a palavra.

O poeta morreu no túnel.
O túnel era o seu túmulo.
E o túmulo a palavra.

O poeta renasceu no túnel.
O túnel voltou a ser útero.
E o útero a palavra.

O poeta imortalizou-se no túnel.
O túnel era o seu tudo.
E o tudo a palavra.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Concrecoisa Tempo do tempo


A dor era insuportável.

Uma presença instalada, total sofrimento.

A dor soterrou tudo.

Principalmente o sorriso.

Cansada de ser o sofrer, a dor liderou uma revolução.

No campo de batalha, ferida, encontrou o tempo.

Implorou por ajuda.

Certo dia, a dor sumiu.

O tempo do tempo foi a cura.

O sorriso voltou a sorrir.

E as dores da vida estavam sepultadas.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Concrecoisa Galo em Cor


Voltei a pintar com tinta acrílica sobre tela.

Pintei a Concrecoisa Jânio Quadros e abstrações geométricas.

Dentre as abstrações geométricas, nasceu a obra  “Galo Vencedor”, gerada pela espontaneidade harmônica das formas poligonais em explosão de cores.

O grande amigo museólogo Anibal Gondim, doutor em montagem de exposição, fotógrafo experiente e criador de aplicativos voltados para o turismo cultural e museus, aprovou como conhecedor das artes visuais as minhas pinturas.

No último sábado, dia 1º de outubro, Anibal foi abduzido pela pintura abstrata chamada “Galo Vencedor”, adquirindo-a num piscar de olhos.

Hoje, faço uso de uma das minhas pinturas, o “Galo Vencedor II”, na forma de concrecoisa, por sugestão de Anibal.

Só não utilizei a imagem “Galo Vencedor”, que desencadeou tudo isso agora narrado, porque a tela está vestindo-se de moldura para viver feliz numa parede do apartamento de Anibal, já reservada por Simone Trindade, sua mulher.

E a imagem do “Galo Vencedor II”, agora Concrecoisa Galo em Cor, dialoga com as palavras, que suplementam aquilo que precisa emergir de um lugar que não cabe explicação.

A cor fez o galo.
O galo nasceu da cor.
A cor fez a forma.
A forma do galo é cor.

Assim é a vida: talvez arte.

Assim é a arte: com certeza vida.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Concrecoisa Amam

O vazio era, por si só, tudo.

Houve uma explosão.

A matéria passou a existir.

Depois surgiram mais matérias, que dançaram juntinhas em ritual de multiplicação.

Desse ritual, a vida nasceu em forma de nova matéria que aprendeu o que é morrer.

A partir de uma vida, outras vidas surgiram.

E dessas vidas, os humanos inventaram o amor.

Foi assim que uma matéria descobriu que todas as demais matérias amam.

E a notícia desse amar ganhou mundo e virou concrecoisa.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Concrecoisa Ou Não


O claro não é claro no claro.

O escuro não é escuro no escuro.

Claro, ou não.

Escuro, ou não.

O cantor e compositor Walter Franco lançou o “ou não” na Música Popular Brasileira.

O seu disco de 1973, com a capa toda branca e a foto de uma mosca, leva o nome "Walter Franco - Ou não”, que é uma possibilidade frutificada na letra da canção “Cabeça”.

Walter Franco é um gênio. Gosto muito do seu trabalho musical.

Hoje eu resgato o seu “ou não” ao falar das possibilidades da luz.

Tudo é possibilidade, ou não.

Depende das circunstâncias.

O claro é claro em relação ao escuro.

O escuro é escuro em relação ao claro.

Tudo claro. Tudo escuro.

Nada é claro. Nada é escuro.

Assim quer a luz.

Ou sim!

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Concrecoisa Jogo da Vida


Começou, sem saber o caminho.

Caminhou, caminhou, caminhou...

Seguiu.

Trilhou só.

Depois com alguém, sem nome: apenas um outro.

Parou, diante de uma cruz.

Rezou, mesmo sem saber no papel o que era devoção.

Foi aprendendo, assim, conforme cada necessidade.

O tempo era seu amuleto.

Tempo que parava diante d’um problema.

Pulou etapas.

Sentiu frio e riu.

Traquinou com a dúvida.

Nunca chegou ao fim da caminhada.

O fim era sempre o seu começo.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Concrecoisa Muito medo


Nascer...

Muito medo aparece.

Anos passam...

Muito medo aumenta.

Infância...

Muito medo de monstros.

Adolescência...

Muito medo da rejeição.

Vida adulta...

Muito medo da incerteza.

Velhice...

Muito medo da morte.

Morte...

Muito medo da ressurreição.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Concrecoisa Além das Pedras


No dia 7, data da Independência do Brasil, o amigo José de Jesus Barreto encaminhou para o meu e-mail o poema abaixo:

Pedras pensam e pulsam
Pedras que rolam e cantam
Pedras que dizem e calam
Pedras tão belas e cálidas
Pedras sagradas e calmas
Pedras que abrigam e ferem

As pedras vivem e sabem
Pedras guardam
E dormem.

Ele disse o seguinte, por telefone, no decorrer do papo cultural, futebolístico (centrado no Esporte Clube Bahia, nosso time do coração), político e astral:

– Não é amanhã (quinta-feira) que você faz a concrecoisa?

– Sim, respondi.

– Talvez sirva, emendou.

– Beleza! Vou ver, completei sem assegurar que faria a concrecoisa.

Eu já estava com uma outra ideia engatilhada, mas diante da beleza dos versos de Barreto, acabei topando com o que chamei de Além das Pedras.

E as pedras rolam sem parar!

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Concrecoisa Adentrar


Adentro à sala em chamas, só.

Carrego no peito um amuleto, a letra “a”, adentrada em si, em outras “as”.

Adentro no seu coração, num adentrar invisível ao seu olhar.

Fico num cantinho, em silêncio, escutando-o bater feliz.

Tum, tum, tum, tum... Batucada sincrônica da vida.

Ainda no cantinho, ouço o canto do seu sangue correr, um rio vermelho veloz.

Tum, tum, tum, tum... Talvez seja a sinfônica dos cavalos da tropa da salvação entrando na cidade devastada pela ventania da saudade.

Adentro agora nos seus poros, capilares dos capilares.

E findo o adentrar fixando-me no infinito das possibilidades do inexplicável pulsar do amor.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Concrecoisa Tempodeus


Certo dia, o tempo quis saber quem ele era.

Perguntou para a luz, irradiada d’uma estrela próxima.

Quando ia responder, uma matéria desconhecida que vagava pelo espaço ficou na frente da estrela e fez a noite chegar.

O tempo, então, correu para Terra, planeta com vida, e lançou o mesmo questionamento para o mar.

O mar, sem saber responder, disse que o ar tinha a resposta.

E lá foi o tempo, instantaneamente, perguntar para o ar.

O ar, também sem saber responder, preferiu virar vento, em fuga.

O tempo, inquieto, viu no fogo do vulcão a possibilidade da resposta.

O fogo, sem saber responder, apagou-se em si.

Restou ao tempo perguntar para o animal racional que estava destruindo a Terra.

Se achando dono da verdade e de tudo, o homem levantou a voz, em mais um ato de prepotência.

Antes de concluir a resposta, já velho, o homem morreu.

Foi aí que o tempo viu que ele era Deus e sorriu com pena do homem.