sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Concrecoisa Chão de Portugal V


Ela começou a andar sozinha por todos os cantos daquele mundão de Deus.

Os anos passaram rapidamente e com as ordens do tempo as pernas perderam as forças.

Nessa altura da vida, os passos contados já passavam dos milhões.

Olhando-a de perto, dava para ver que o peso dos anos fez o passo encurtar.

Mesmo cansada, ela continuou caminhando, sempre só.

E quanto mais ela andava pelos quatro cantos do mundão de Deus, mais o chão evocava em segredo o seu destino.

E foi naquele chão molhado pelo sereno da madrugada que ela foi beijada pela eternidade.

Ainda hoje, o som dos seus passos ecoam!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Concrecoisa Chão de Portugal IV


Ela brigou com ele.

Ele brigou com o outro.

O outro brigou com o outro.

As intrigas foram içadas.

Todos contra todos.

As almas sofreram.

Porém, em longas caminhadas individuais.

Na calçada que estava ali.

O chão semeou a reflexão de cada um.

E depois de alguns passos.

O tempo escreveu sua autobiografia.

E ela, ele e o outro entenderam que o ressentimento deixado no chão vira poeira quando a esperança é o passo.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Concrecoisa Chão de Portugal III


A âncora estava ali, na calçada, olhando os milhões de passos apressados.

Ninguém parava para fazer parte do seu universo estático.

A poeira era a contradição que adormecia no seu colo minuto a minuto.

Certo dia, Merinita quis ser poeira.

E poeira humana virou adormecida na calçada.

Onde ficou sentindo a pressão e a humilhação de cada pisada.

Depois de muito tempo, Merinita voltou a ser movimento.

E o seu rastro virou circunstância de sua vida, circunstância que embasa o pensamento do filósofo espanhol Ortega y Gasset, que disse: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo não me salvo eu”.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Concrecoisa Chão de Portugal II


Pedro está para a pedra

A pedra está para Pedro

Pedro amou a pedra

A pedra virou civilização

Um dia

Pelas mãos de Pedro

As pedras desenharam um nó

Desde então

As solas dos pés celebraram o porvir

E deixaram um rastro de amor petrificado entre o sonho e a realidade

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Concrecoisa Chão de Portugal I

As calçadas das cidades portuguesas trazem belezas sem fim.

As surpresas desenhadas em preto e branco acompanham o caminhar.

Os pés sorriem pelos caminhos da vida.

Mas o olhar nem sempre descobre o sorriso que brota do chão de pedra.

Chão que é sorriso simétrico.

Que é sorriso em contraste.

Que é sorriso histórico.

Que é sorriso arquitetônico.

Que é sorriso que navega pelos mares dos descobrimentos portugueses.

Enquanto o tempo passa, o chão respira vida nas calçadas das urbes.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Concrecoisa Prazer sitiado


Na cidade de Nazaré, no interior de Portugal, as ondas gigantes beijam os lados do Forte de São Miguel Arcanjo.

Foi em Nazaré, em visita recente, que encontrei o agradável cantinho de petiscos chamado Sitiado.

O prazer mora por lá!

A atmosfera acolhedora foi criada por Wilson Ferreira.

Lá no Sitiado, que funciona na Rua Amadeu Gaudêncio, número 2, o excelente atendimento tem várias digitais e uma dessas digitais leva o nome de Paulo Maia.

Nesta sexta-feira, a concrecoisa está sitiada no mar da saudade.

E a saudade que invade a alma é parte da singularidade da língua portuguesa, como é singular o prazer Sitiado em Nazaré!

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Concrecoisa Raio


O raio cortou a atmosfera

Em cuspe de energia

No mesmo instante

O ar virou vento

E nas colinas lá no horizonte

O trovão ainda canta

Na festa promovida pela tempestade

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Concrecoisa Vazio é cheio


Delum não acreditou no sonho da noite passada.

Na loucura de sua mente adormecida, uma nave interplanetária pousava no seu quintal.

E uma voz dizia: “O vazio é cheio”.

Os anos passaram.

Já velhinho, a mesma voz voltou a dizer: “O vazio é cheio”.

Delum não precisou de mais nada para entender que do outro lado do vazio da morte existia algo cheio de vida.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Concrecoisa Mais Paz


bala

grito

dor

agonia

medo

morte, morte, morte...

choro dos que ficaram esperando a paz

mais paz

só a paz

nada mais, nada mais...

triste retrato do Brasil de agora!

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Concrecoisa A Tentação


Em almoço com o amigo jornalista e escritor José de Jesus Barreto, que acaba de lança o ótimo livro Treze contos reais, pela Solisluna Editora, com ilustrações de Enéas Guerra, ele sugeriu que eu fizesse uma concrecoisa sobre a Tentação no deserto.

Diz a Bíblia que, após o batismo, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo demônio.

A proposta ficou circulando na minha cabeça.

Eu já tinha feito a Concrecoisa Pedro, que negou Jesus três vezes. Essa concrecoisa virou concre-som com as participações de Luiz Caldas e Vandex.

Lembro que a proposta de José de Jesus Barreto ocorreu na semana passada.

Estávamos no tradicional restaurante Mini Cacique, que funciona há décadas no Centro Histórico de Salvador, na Rua Ruy Barbosa.

Depois desse mergulho bíblico, vejo a concrecoisa interpretar tudo aquilo que pode ser interpretado, ou seja, o humano e o inumano, o material e o imaterial, o que é ser vivo e o que é um objeto.

E assim, tentando interpretar, deixo o barco da vida seguir!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Concrecoisa Tempestade


A traquinagem de Lostim ganhou o mundo.

Tudo aquilo que ele fazia, rapidamente, ia parar nas redes sociais.

De postagem em postagem, Lostim ganhou milhares de seguidores e de inimigos.

Na sua página no ciberespaço, por minuto, choviam afagos e iras.

Ele aproveitava tudo que acontecia e que não acontecia para gerar factoides.

E esses factoides viralizavam rapidamente.

Com o passar do tempo, a tempestade do seu viver acabou se transformando em chuva de palavras que caem em sonhos.

Essa chuva, completava Lostim, “era como o rio da vida que corre para o mar, que corre para o mar, que corre para amar”.

Quando viu que o mundo já não era mais o mesmo, pois um outro Lostim havia ocupado o seu lugar, ele chorou por dentro.

E essa tempestade interior foi mais terrível do que o dilúvio bíblico.

Pois a força divina acabou inundando a bandeira da esperança da eternidade que ele pensava que era intocável.

Quando o sol voltou a brilhar, Lostim já era página virada de um mundo que, a cada dia, tem sido mais que demais impiedoso com o ser bestial que é o ser humano.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Concrecoisa Atravessar


A luz teve orgasmo

Ao perfurar a escuridão.

A escuridão chorou em silêncio

Ao transpor a madrugada.

A madrugada acordou em prazer de luz

Depois de traspassar mais um ciclo do fluir do tempo.

E a lógica temporal atravessou as coisas

Menos quando o fremon se apresentou como constante desconhecida que fez do tempo um enigma impenetrável.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Concrecoisa O Outro


Um dia, o Outro quis que um Outro pensasse como ele.

Agisse como ele.

Acreditasse como ele.

Fosse igualzinho a ele.

E ficou noites e dias alimentando um desejo do tamanho do mar.

O tempo foi passando...

Passando cada vez mais rápido.

E quando viu o desejo naufragar no vazio.

O Outro já tinha virado um Tolo.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Concrecoisa Microconto III


Zeuer, goleiro do time Lilás, combinou com Precrion, bandeirinha da partida final do campeonato, para ele dar uma mãozinha no resultado.

A grana altíssima estava sendo bancada por cartolas e empresas de comunicação.

O acordo foi firmado na calada da noite, um dia antes da decisão.

O jogo estava teoricamente com as cartas marcadas.

Em impedimento, Vesgo colocou o time Lilás com uma mão na taça.

O acordo entre Zeuer e Precrion estava dando certo.

O time Cinza, porém, empatou com Birigó, com um gol de mão.

O árbitro Noneco disse que foi legal.

Em seguida, Tubarão fez o gol da virada fazendo falta em Zeuer.

Depois de muita confusão, o time Cinza acabou levando a taça.

O acordo não vingou.

No vestiário, Precrion foi perguntar a Noneco por que ele não anulou os gols irregulares.

Noneco sorriu e disse.

– Quem tem o apito na boca não faz nascer uma sombra no escuro.

No dia seguinte, Noneco dormiu abraçado com uma mala de dinheiro.  

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Concrecoisa Microconto II


Ele decidiu falar.

Depois desistiu.

Uma hora depois, voltou a decidir.

No dia seguinte, desistiu.

O tempo foi passando, foi passando...

No último suspiro, antes de decidir ou desistir falar, o silêncio calou a decisão.

Assim viveu se enganando.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Concrecoisa Microconto I


Talvez, um homem livre.

Na cela de Lisboa.

O seu veículo para o futuro era o não tempo.

O existir: uma sela da montaria circunstância.

A cela estava tomada pelo outro.

E o vazio nunca fora sua sela.

A multidão sim.

Síntese das selas ocupadas pela esperança.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Concrecoisa Microconto


Mirum casou com Nercita.

Foram felizes, até o último suspiro.

Tiveram filhos.

Todos casaram.

E também foram felizes.

E as flores plantadas por Mirum e Nercita nunca deixaram de embelezar o caminho do amanhã.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Concrecoisa Embriaguez do sol


A luz nasceu.

A sombra acordou.

A noite caiu.

O dia voltou.

Tudo se repetiu.

E a sombra.

Parte do nascer do dia e do cair da noite.

Sentiu em si a essência da embriaguez de um dia de sol.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Concrecoisa Brincando de enganar


No começo, tudo era escuridão.

Depois fez-se a luz.

A sobra então nasceu.

Do casamento da luz com a matéria.

Hoje, a sombra brinca de enganar a luz.

E lembra que a escuridão continua viva.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Concrecoisa À Frente


Giniel inventou uma máquina capaz de modificar a essência da pessoa.

Na Máquina da Transformação M/B-69, tudo aquilo que é provido de maldade vira bondade.

Em Trusgy, seu país, o presidente deu ordem para a população passar pela M/B-69.

Em menos de 10 anos, como um milagre, todos os trugysianos estavam em estado de paz e dominados pela de bondade e civilidade.

Sem maldade, as penitenciarias de Trusgy viraram parques e centros de educação.

A profissão policial foi extinta.

Todos que combatiam a criminalidade migraram para a área da educação.

Os seguranças viraram desportistas.

Só quem não passou pela M/B-69 foi o presidente Preyon, que se achava totalmente do bem.

E era!

Ele se mantou no último dia de governo, quando percebeu que a semente da maldade de querer ficar no poder estava contaminando o seu coração.

Preyon estava à frente de seu tempo e Trusgy nunca mais precisou de governante.  

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Concrecoisa Reticências


...
Assim começou a vida.

...
Assim termina a vida.

...
Assim começa o mistério.

...

Assim continua o mistério.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Concrecoisa Simplificação


Chupala nasceu numa tribo da África no começo do século passado.

Para vencer as dificuldades de uma vida trincada pelas adversidades naturais e inventadas pelo homem, aprendeu rapidamente os segredos da simplificação.

O seu mestre, contava, era Zaiam, que viveu num período antes de Cristo.

Quando um problema ganhava musculatura, ficava mais cabeludo, Chupala mandava cortar as capilaridades.

E assim, sempre resolvendo os problemas e ensinando a resolvê-los, acabou virando celebridade.

Certa feita, antes de virar síntese da síntese da vida, em visita ao Brasil, afirmou que “a simplificação é o degrau mais elevado da conquista humana”.

Hoje, mais do que nunca, Chupala precisa ser estudado.

O problema é que, de tanto simplificar a vida, Chupala acabou virando utopia.